domingo, 11 de abril de 2010

brancocinza


Meio dia. Uma chuva fina começa. O cão nem se dá, por ali fica deitado. Tamborilam telhas de alumínio, curam as pernas do mendigo aleijado. "É chuva seu Elias". "Molhação aqui não" ele disse. É cinza o céu derretendo, os girassóis confusos. Moleques pulam poças d’água.

A terra sua, ou o aroma vem da chuva? Os poros todos protestam juntos em suas pernas nuas. Inspira e expira (o próprio chão). Tanta gente. Nunca gostara do cheiro da chuva, tudo aquilo que fica pra trás, enterrado, emerge até o mais inevitável dos sentidos. A terra sobe ao nariz. Grama, asfalto, carne. Invade.

Ela tinha os cabelos amarrados. Embaixo dum toldo transparente, esperava. Deixava-se molhar na borda. Lentamente os pingos se acumulavam nos pelos do braço. Sentiu as canelas úmidas e sorriu escondido. Só eu vi.

E então, assim mesmo, assim mesmo meio-dia, saiu debaixo da chuva. Largou qualquer coisa que segurava e andou até a curva. Assim que súbito para em frente a um muro.

Levantou a cabeça. De quando as gotas caiam aos olhos, fechava e abria. Muro alto, branco, que encosta a mão, vibra. Brancocinzando as gotas pintavam. Sempre de cima pra baixo, desbotava. Planejam uma revolta, mas ela já sabia.

Um muro que de tão branco fosse, cansasse. Pipocando as cores da rua, explodindo em cada lábio (salivando pensamentos devassos) sorrindo a cada assubio.Um muro que de tão rijo fosse, absorvesse. Sugando os trabalhadores em fila, a estampa dos vestidos de chita. As mocinhas correm as esquinas, mãos na cabeça, gritinhos de carmim.

Estava sim, e o muro, tudo ao redor o mais branco que fosse. Sua mão afundara. Imaginou uma boca se abrindo e o muro a engolia. Ela sempre soube.


Mas não foi, só chovia.

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